Preparação no Brasil: por que ainda não levamos a sério?

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Preparação no Brasil: por que ainda não levamos a sério?

Vivemos em um país marcado por catástrofes recorrentes: enchentes, queimadas, apagões, crises sanitárias e instabilidade política. Mesmo diante dessa realidade, a cultura de preparação civil ainda é muito pouco desenvolvida no Brasil. A pergunta que se impõe é direta: por que o brasileiro ainda não se prepara?

Enumeramos alguns pontos importantes.

1. A construção cultural da desvalorização
Nunca levamos a preparação a sério por um motivo estrutural: a forma como fomos culturalmente moldados. Desde cedo, aprendemos a ridicularizar o que é nosso, a desacreditar da competência brasileira e a enaltecer soluções estrangeiras como únicas válidas. Essa autodepreciação coletiva mina qualquer tentativa de fortalecimento interno. É comum ouvirmos que “isso não acontece aqui” ou que “os produtos brasileiros são ruins” — um comportamento nocivo que reforça a passividade diante dos riscos reais. A população brasileira aprendeu a depender do governo, fazer tudo baseado no que o governo intitula para o cidadão. Isso se reflete diretamente na política interna do país, onde eleitores esquecem do serviço que o político está se propondo a fazer e acabam tornando os políticos como verdadeiros astros, celebridades, quando na verdade deveriam estar trabalhando para o povo, como ocorre em países democráticos. Aqui no Brasil, quanto mais dependente melhor — melhor para quem? Uma realidade triste e sem precedentes em democracias modernas.

2. A ilusão da normalidade
Grande parte da população vive sob uma falsa sensação de estabilidade. A crença de que “no fim tudo se resolve” está profundamente enraizada na cultura nacional. Essa visão reduz a percepção de risco e paralisa qualquer tentativa de prevenção, tornando o brasileiro reativo, não proativo.

3. Ausência de políticas públicas e educação para desastres
Ao contrário de países como Japão, Suécia e Chile, onde a preparação civil é promovida desde a infância, o Brasil não possui um programa nacional de formação em resiliência. As escolas não ensinam primeiros socorros, planos de evacuação ou autossuficiência básica. O resultado é uma população dependente e desinformada.

4. Um governo que desincentiva a independência
Nos países democráticos mais avançados, é comum que os próprios governos incentivem a autossuficiência da população. Há políticas para instalação de sistemas fotovoltaicos, captação de água de chuva, hortas urbanas e segurança alimentar descentralizada. O princípio é simples: quanto mais resiliente for o cidadão, menos sobrecarregado estará o Estado em momentos de crise. No Brasil, essa lógica é invertida. Em vez de estimular a independência, o Estado brasileiro perpetua uma cultura de dependência, com processos burocráticos e lentos, onde o cidadão se vê sem opções enquanto espera ajuda que muitas vezes nunca chega a tempo.

5. Estigmatização do preparador
A imagem do “preparador” muitas vezes é ridicularizada. Confundido com paranoicos, conspiracionistas ou fanáticos, o cidadão que decide se preparar enfrenta preconceito. Essa representação midiática deturpa o verdadeiro significado da preparação: responsabilidade cidadã, cuidado com os entes queridos e autossuficiência estratégica.

6. O papel da mídia e da cultura de consumo
Programas televisivos e redes sociais muitas vezes abordam a preparação de forma sensacionalista, focando em “gadgets”, bunkers e cenários apocalípticos. Isso afasta o cidadão comum, que não se identifica com esse estereótipo e não percebe que com pequenas mudanças é possível aumentar significativamente sua segurança pessoal e familiar.

7. Quando o sistema falha, quem está pronto responde
A experiência do Rio Grande do Sul em 2024 é um alerta: diante do colapso de serviços essenciais, foram os cidadãos preparados que conseguiram ajudar suas comunidades. Ter acesso à água potável, alimentos armazenados, energia alternativa e um plano de comunicação pode ser a diferença entre o caos e a capacidade de reação.

8. Como mudar esse cenário?
A transformação começa com informação. Precisamos naturalizar o debate sobre preparação nas escolas, nas famílias, nas igrejas e comunidades. A criação de centros comunitários de resiliência, formação em primeiros socorros, hortas urbanas e campanhas públicas pode reconstruir essa cultura.

A preparação não é luxo nem paranoia. É uma estratégia de vida, um ato de amor e responsabilidade. Estar pronto não significa viver com medo, mas sim com consciência. Chegou a hora do Brasil acordar para isso.

“Nesta coluna, levamos a preparação a sério: não como medo, mas como consciência. Acompanhe nosso conteúdo no Youtube Defesa TV.”




  • Jornalista especializado em Defesa e Segurança (MTB 37358/RJ), veterano das Forças Armadas e ex-integrante de unidades especiais, com ampla experiência na cobertura de operações militares, treinamentos e atividades estratégicas das Forças Armadas brasileiras. Sua atuação combina expertise técnico-operacional com sólida formação civil voltada à comunicação em ambientes de defesa, incluindo capacitações específicas em Estágios de Correspondente para Assuntos Militares realizados pelo Exército Brasileiro em diversos biomas do país, além de cursos no COPPAZNAV (Curso de Correspondente de Paz da Marinha do Brasil) e no CCOPAB (Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil), voltados à cobertura em áreas de conflito e operações de paz. É reconhecido por produzir conteúdos jornalísticos realistas, acessíveis e impactantes, contribuindo para a valorização institucional das Forças Armadas junto à sociedade civil. Em 2011, atuou diretamente na resposta ao desastre da Região Serrana do Rio de Janeiro, realizando mapeamentos e coordenando informações em áreas isoladas, o que lhe rendeu uma Moção de Reconhecimento da Câmara de Vereadores de Sumidouro (RJ). Foi agraciado com as Medalhas Amigo da Marinha, Mérito Veterano da Associação dos Veteranos da Força Aérea Brasileira (AVFAB) e Mérito Tamandaré, concedida pela Marinha do Brasil. Atualmente é Diretor de Conteúdo Audiovisual da Defesa TV e do Defesa em Foco, coordenando reportagens e documentários que aproximam a sociedade dos bastidores da Defesa Nacional com linguagem ética, técnica e engajadora.



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Fonte: DefesaTV

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Luiz Camões
Jornalista especializado em Defesa e Segurança (MTB 37358/RJ), veterano militar e ex-integrante de unidades especiais, com sólida atuação na cobertura de atividades das Forças Armadas brasileiras. Possui formação complementar em Estágios de Correspondente para Assuntos Militares, realizados pelo Exército Brasileiro em diferentes biomas, além de capacitações no COPPAZNAV (Marinha do Brasil) e no CCOPAB (Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil), voltadas à cobertura em áreas de conflito. Atualmente aplica seus conhecimentos técnicos na produção de conteúdos jornalísticos realistas e acessíveis sobre o ambiente operacional das tropas, contribuindo para a valorização e compreensão da importância das Forças Armadas pelo público civil. Em 2011, deixou os registros de lado para atuar diretamente no desastre da Região Serrana do RJ, realizando mapeamentos e coordenando informações em áreas isoladas, o que lhe rendeu uma Moção de Reconhecimento da Câmara de Vereadores de Sumidouro-RJ. Diretor de Conteúdo Audiovisual da Defesa TV e Defesa em Foco, é responsável por reportagens e documentários que aproximam a sociedade dos bastidores da Defesa Nacional.

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